Tudo Muda
As coisas evoluem, nada para no tempo e com o ballet isso não seria diferente. Aqui você encontra uma linha do tempo com vídeos que mostram como a técnica clássica mudou entre o século 18 e o século 21.
Século 18
Nesse período era dançada o que hoje chamamos de Dança Barroca. Esse é o cerne que possibilita o surgimento do ballet como conhecemos hoje. É possível perceber nela muitas características do ballet atual, como a rotação dos pés para fora, a altividade no posicionamento da cabeça, a precisão no movimento de pernas e braços.
Século 19
Agora a técnica clássica passa por uma grande transformação. As pernas se elevam, os giros multiplicam, os saltos aumentam e bailarinos e bailarinas passam a se aventurar a subir na ponta dos pés.
Também é nesse período que os homens passam para os bastidores e as mulheres brilham sob os palcos, em uma promoção por despromoção (saiba mais em nosso e-book).
Veja nos vídeos abaixo como era a técnica clássica no século 19 e perceba a grande mudança que ocorreu em relação ao início do século passado.
1832
La Sylphide
Obra de Filipo e Marie Taglioni. É conhecido como o primeiro balé a ser pensado para ser dançado nas pontas.
Bailarinas e bailarinos (sim, homens também) dançavam nas pontas há um bom tempo até a estreia deste balé.
Inclusive, foi assistindo uma bailarina chamada Amália Brugnoli que Marie Taglioni decide dançar na ponta dos pés.
Essa obra é responsável por consagrar a imagem da bailarina símbolo do romantismo: uma mulher etérea e leve.
A estrutura do espetáculo também é bem diferente comparada com as obras do século 18. Não há fala ou música cantada. Apenas a dança e o gesto, dentro dos preceitos do Ballet de Ação.
1836
Cachucha
Essa coreografia ficou muito famosa no século 19.
Dançada pela lendária Fanny Elssler (irmã de Thérèse Elssler - se você não conhece, temos uma página específica sobre ela aqui no site), a coreografia mistura ballet com uma dança espanhola chamada "cachucha" (daí o título).
Essa mistura do ballet com outros tipos de dança era muito comum, pois conseguia trazer para dentro do ballet a ideia de "nacionalismo" pregado pelo Romantismo.
Nesta remontagem, a bailarina possui uma técnica muito parecida com a das bailarinas do século 19, que dificilmente elevavam as pernas acima da altura do quadril, giravam piruetas simples, muitas vezes dançavam na meia ponta e a coreografia possuía uma estrutura simples. Muitos dos movimentos dessa coreografia poderiam facilmente ser inseridos no que hoje chamamos de ballet neo-clássico.
Década de 1890
Bailarina Desconhecida
Este é um vídeo de uma bailarina londrina, gravado na década de 1890.
Comparando com uma bailarina moderna, seus joelhos e pés esticam menos, ela realiza poucos passos sob a ponta dos pés, seus braços são menos definidos, assim como suas posições dos pés.
Século 20
Se a técnica clássica mudou muito no século 19, se distanciando da Dança Barroca, no século 20 essa diferença é ainda maior.
Impulsionada pela:
🔹Junção da técnica francesa e italiana;
🔹Desenvolvimento do ballet na Rússia, Dinamarca, e outros países;
🔹Codificação da técnica clássica em metodologias, como Ceccheti (italiana) e Vaganova (russa);
🔹Maiores estudos sobre anatomia, cinesiologia.
O ballet inicia um caminho sem volta rumo a multiplas piruetas, saltos que desafiam a gravidade e pernas erguidas bem acima da altura do quadril.
O ballet do século 20 evoluiu a passos largos. Veja essa mudança nos vídeos abaixo.
1907
A Morte do Cisne
Dançado por uma das bailarinas mais famosas de todos os tempos, Anna Pavlova (tão famosa que existe uma sobremesa que leva seu sobrenome - a pavlova).
1913
Pas de Deux com Música de Franz Schubert
Este duo é dançado por estrelas do Bolshoi. A Primeira Bailarina Ekaterina Geltzer e Vasili Tikhomirov.
Quando comparados com bailarinos e bailarinas do século 21, os braços e movimentos são menos alongados, quase dobrados, e as pernas se elevam menos.
Quando comparamos com a técnica do século 19, a bailarina realiza muito mais movimentos sob a ponta dos pés, permanecendo sob a sapatilha por longos períodos.
1920
Bailarinas da Ópera de Paris
Bailarinas de uma das escolas mais bem conceituadas do século 19.
Perceba como os braços muitas vezes ficam relaxados ao lado do corpo enquanto elas fazem os exercícios.
1930
Mars and Venus
Pernas pouco elevadas, pés que não se esticam completamente em alguns momentos, braços com o cotovelo levemente dobrado.
Essas bailarinas parecem estar dançando uma coreografia completamente neoclássica.
Para bailarinas e bailarinos que estão lendo: é nesse período que o dedão voltado para a palma da mão vira regra. Perceba nas bailarinas anteriores como o dedão possui um posicionamento menos rígido.
1940
Trechos do Ballet Dom Quixote
Os trechos incluem um pas de deux e o solo de Kitri do terceiro ato.
O solo de kitri no terceiro ato tem uma música que é muito mais rápida que a utilizada atualmente. Compare com a versão que aparece no século 21 mais abaixo.
1952
Sylvia
Dançado pela lendária Margot Fonteyn.
A rotação das pernas (en dehors) dela não é tão exagerado como das bailarinas atuais. Seu joelho também é menos esticado. Mas perceba como seus braços são mais alongados, com o cotovelo quase esticado, e como eles se movimentam de forma suave e contínua.
É possível perceber uma grande diferença com as décadas passadas.
1959
A Morte do Cisne
Maya Plisetskaya foi um grande nome de seu período, e ajudou a transformar a técnica clássica naquilo que conhecemos hoje.
O vídeo dela dançanco começa em 2min03s. Compare com a versão de Anna Pavlova no início do século.
Suas pernas se elevam mais, seu joelho é mais esticado, sua movimentação é mais alongada, seu pescoço mexe muito pouco e ela permance períodos muito mais longos sob a ponta dos pés, quando comparada com bailarinas de décadas antes.
1960
Diversas Variações
Não é só a técnica feminina que mudou. Aqui temos alguns solos masculinos e dois solos femininos.
Variações dançadas por Vladimir Vasiliev e Ekaterina Maximova. As variações masculinas são de O Corsário, Laurência e Dom Quixote. A primeira variação feminina é de Dom Quixote, sendo a variação de Kitri do primeiro ato e a segunda variação feminina é Kitri Terceiro Ato (compare com a versão de 1940 acima).
Perceba como eles não esticam tanto o joelho - inclusive na diagonal final de giros do solo de Kitri primeiro ato, a bailarina está com o joelho da perna de base levemente flexionado.
1960
Pas de Deux do Cisne Negro
Duo dançado no terceiro ato de Lago dos Cisnes. É uma sequência famosa onde a bailarina realiza o 32 giros em sequência (fouéttes).
Perceba os braços alongados, pernas cada vez mais altas, joelhos mais esticados, rotação das pernas (en dehors) maior.
1983
Kitri Terceiro Ato
Compare com Trechos do Ballet Dom Quixote e com o ítem Diversas Variações.
Século 21
Chegamos ao ballet que conhecemos hoje.
Onde bailarinas e bailarinos levam a técnica clássica e seus corpos a um extremo quase impossível.
Segue tendências que se mostraram no século anterior, com braços esticados, sem dobrar o cotovelo, pernas muito elevadas, joelhos retíssimos, alongamento do corpo ao extremo, en dehors o tempo todo o mais próximo possível dos 180 graus, terminação dos passos nas posições dos pés praticamente perfeitas.
As coreografias abaixo são versões modernas de algumas que estão na lista do século 20. Compare-as, consegue perceber a diferença?
2020
A Morte do Cisne
Compare com a versão de Anna Pavlova, do início do século 19, e com a versão de Maya Plisetskaya da metade do século 19.
A diferença é enorme, mas todas são incríveis.
Grand Pas de Deux de Dom Quixote
Grand Pas de Deux dançado no ballet Dom Quixote. Nesta versão temos Aaron Smith e a incrível Michaela De Prince como Kitri.
Para comparar, use o vídeo de Kitri Terceiro Ato (1984), Trechos do Ballet Dom Quixote (1940) e com o ítem Diversas Variações (1960).
Variação de Ali
Variação masculina parte do ballet O Corsário, compare com o primeiro solo masculino do ítem Diversas Variações (1960).
Pas de Deux do Cisne Negro
Um pouquinho de um duo dançado no terceiro ato de O Lago dos Cisnes, onde o Cisne Negro (Odile) realiza os fouéttes.
E o vídeo de baixo é o solo feminino de Odile.
Compare com o Pas de Deux do Cisne Negro de 1960.
Ufa!
Conseguiu perceber as diferenças?
Muitos dos ballets que conhecemos atualmente, como o famoso "Lago dos Cisnes", tiveram suas estreias no século 19, mas as coreografias que vemos hoje são versões remodeladas e adaptadas ao longo do tempo. Isso ocorre porque a técnica dos bailarinos e bailarinas mudou significativamente desde então, como pudemos observar na linha do tempo. Portanto, as apresentações de ballets antigos, que assistimos hoje, são diferentes das versões originais.
Com carinho, Bruna Boita Meoti
Pesquisadora e idealizadora do Projeto Oriri
06/07/2023
Projeto Cultural selecionado pelo Prêmio Elisabete Anderle de Apoio à Cultura – Edição 2022, executado com recursos do Governo do Estado de Santa Catarina, por meio da Fundação Catarinense de Cultura. Processo FCC 2920 / 2022.
Para quem tem muita curiosidade